Intolerar
Era uma manhã ensolarada em Brasília, e a cidade tremia com a violência de uma nova passeata. As ruas estavam repletas de pessoas vestidas de verde e amarelo, empunhando bandeiras do Brasil e gritando exigências bem peculiares. No meio da multidão, Lucas, um jovem de cabelos castanhos e alva pele, caminhava ao lado de Rafael, seu par secreto. Lucas vinha de uma família bolsonarista abastada, enquanto Rafael, com seu jeito sensível e olhar profundo, era filho de uma família petista e mais humilde. O contraste entre suas origens era palpável; no entanto, o que sentiam um pelo outro ultrapassava diferenças ideológicas.
Nos encontros às escondidas que tinham, longe das visões críticas de suas famílias, compartilhavam risadas, carícias e algumas utopias. Lucas, no entanto, carregava um peso em seu coração. Ele sabia que sua família jamais aceitaria sua homossexualidade, e a pressão de ser o herdeiro perfeito o sufocava. Rafael, por sua vez, sempre o encorajava a ser verdadeiro consigo mesmo, mas Lucas hesitava. A presença de Clara, a filha do melhor amigo de seu pai, que constantemente flertava com ele, tornava tudo ainda mais complicado.
Certa noite, enquanto se esgueiravam em um parque, a moça, que havia seguido Lucas, testemunhara tudo. A expressão de surpresa em seu rosto rapidamente se transformou em raiva. Sem pensar duas vezes, em seu íntimo, decidiu contar tudo para a família de Lucas. Até porque essa relação colocava em risco o casamento que havia planejado para breve, tendo em vista que o rapaz era lindo, rico e agradável, o que traria certa tranquilidade à sua vida.
No dia da manifestação, Lucas pediu a Rafael que o acompanhasse. Ele queria muito participar daquele evento que fora agendado e divulgado há meses nas redes sociais. Por outro lado, não queria abrir mão de se reunir com o namorado, pois a saudade já se tornava sufocante. "Vai ser como ir a uma partida de futebol no espaço reservado à torcida contrária. Vai ser emocionante!", disse, para convencer o amado.
Enquanto caminhavam lado a lado, trocando carícias discretas, a sensação de liberdade era extasiante. Contudo, a alegria foi interrompida quando um grupo de skinheads, que também participava do acontecimento, começou a cercá-los.
“Olha só, um veadinho e seu namoradinho!”, gritou um dos homens, com um sorriso cruel. Lucas sentiu o sangue gelar. Ele sabia que a situação poderia se tornar perigosa, mas não queria deixar Rafael sozinho. “Fica atrás de mim”, sussurrou, tentando protegê-lo.
A tensão aumentou rapidamente. Os skinheads começaram a empurrá-los, e Lucas, em um ato de coragem, colocou-se em frente a Rafael. “Deixem-nos em paz!”, gritou, com sua voz tremendo, porém firme. O que se seguiu foi uma confusão de socos e gritos. Lucas e Rafael lutaram juntos, valentes, mesmo estando em menor número. A brutalidade da cena era assustadora.
Em meio ao caos, Lucas sentiu uma dor aguda em seu abdômen, motivada por uma perfuração. Ele olhou para Rafael, que estava ao seu lado, tentando defendê-lo. “Rafael!”, berrou, por fim. O cenário ao seu redor começou a escurecer, e ele percebeu que as suas lutas particulares e coletivas tinham um preço terrível.
Quando a polícia finalmente chegou, a cena era digna de uma tragédia shakespeariana. Lucas e Rafael estavam ao chão, com suas mãos entrelaçadas, como se ainda tentassem proteger um ao outro. A passeata, um agressivo ato de resistência, transformou-se em um lamento silencioso.
As famílias de ambos os jovens, ao receberem a notícia, foram forçadas a confrontar a perda de seus filhos, assim como as barreiras invisíveis que os separavam. O namoro de Lucas e Rafael, embora tragicamente interrompido, tornou-se um símbolo do mais honesto amor, aquele que sobrevive em meio à intolerância.
Enviado por Guilherme Mossini Mendel em 10/04/2025
Alterado em 11/04/2025