Engenharia educacional
Há alguns anos, quando começaram a comentar a respeito de uma nova grade curricular para a educação básica brasileira, fiquei muito animado. Pensava realmente que os vigentes Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) estavam ultrapassados e não contemplavam as atuais necessidades dos estudantes.
Eu, enquanto professor bem-intencionado e sonhador, imaginava que a reestruturação dos currículos excluiria do processo tudo aquilo que não fizesse mais sentido de ser ensinado e que só levasse os discentes ao desinteresse, e, consequentemente, proporcionaria mais tempo para que os professores trabalhassem com aspectos mais relevantes para os jovens, em especial conhecimentos que os indivíduos precisam ter para serem profissionais responsáveis e capacitados, bem como competências que os cidadãos carecem para suprir suas demandas no convívio em sociedade.
Por isso, assim que me deparei com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um modelo de elefante branco burocrático que emperra o ensino em nosso país, com suas páginas e mais páginas de conteúdos desconexos (entre si e com a realidade), inúteis (na maior parte das vezes) e invencíveis (no pior sentido do termo), sem mencionar os códigos fornecidos pelo imensurável volume, que, com certeza, “facilitam” a vida dos professores, fiquei pasmo.
Por um lado, os Parâmetros Curriculares Nacionais estavam desatualizados por cobrarem dos alunos muitos assuntos que não fariam a menor diferença na vida deles, e que tornavam-se necessários apenas para que os vestibulandos e os concurseiros estivessem preparados. E, normalmente, essa carga pesada de informações sobressalentes oferecia espaço reduzido para desenvolver a leitura e a escrita dos estudantes, aspectos importantes de verdade em Língua Portuguesa, só para citar o exemplo do que era recorrente em uma disciplina.
Contudo, a Base Nacional Comum Curricular não apenas cobra a mesma enxurrada de conteúdos imprestáveis já existentes na grade anterior, como também distorce, embaralha e avacalha a ordem em que esses são cobrados, assim como faz o desfavor de inflar mais ainda os currículos escolares com baboseiras, engessando os professores e deixando-os impotentes, visto que, sendo impossível cumprir o básico da Base, não há espaço para “inventar moda” ou para “criar atividades diferenciadas”.
E, para favorecer ainda mais a educação em nossa nação, a BNCC foi implantada para valer pouco antes de a pandemia de COVID-19 mexer com as prioridades da sociedade inteira e obrigar grande parte da população a permanecer em suas residências. Sendo assim, neste momento, ao retornarem para o ensino presencial, os estudantes e os professores estão tendo de lidar com duas lacunas de aprendizado concomitantes: aquela causada pelo ensino à distância, ocasionada pelo período de aulas remotas e/ou escalonadas; e, também, com aquela provocada pela alteração de grade curricular, PCN para BNCC, a qual, ao entrar em vigor, abriu buracos no ensino por não promover uma correta adaptação de um documento para o outro.
Isso só salienta aquilo que percebo há anos, na minha prática diária em sala de aula. Os alunos, por mais que apresentem indisciplina, desrespeito e falta de comprometimento, configuram o menor dos problemas para os professores. Na verdade, os fatores que mais atrapalham o trabalho docente são: a excessiva burocracia, que, boa parte das vezes, é desnecessária; os projetos de desenho, redação e afins que caem de paraquedas nas escolas, atravancando as lições em função de divulgar campanhas, marcas e eventos; a obrigatoriedade do uso de determinados materiais e/ou grades curriculares, que podam a autonomia e a criatividade dos professores, na busca de um alinhamento e de uma coerência impossíveis e inexistentes, tamanhas as diversidades e desigualdades existentes no Brasil.
Ou seja, para o educador brasileiro, oferecer um ensino significativo e de qualidade aos educandos é tarefa sobre-humana, tendo em vista que todas as etapas soam como se tivessem sido planejadas para que a educação não dê certo, não seja agradável, não esteja condizente com as aspirações dos estudantes e não se torne uma ferramenta de motivação para os participantes do ambiente escolar.
Enviado por Guilherme Mossini Mendel em 20/11/2024
Alterado em 20/11/2024